Sistema Online de Conferências - IFMG Campus Bambuí, XI Seminário de Iniciação Científica do IFMG - SIC 2023

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TRABALHO E SAÚDE NO SISTEMA PRISIONAL: Um debate sobre carreiras do corpo técnico-profissional de instituições penais
David Silva Franco

Última alteração: 2023-08-21

Resumo


Este projeto de pesquisa está vinculado a um macroprojeto, aprovado no Edital FAPEMIG nº 11/2022 – Apoio a projetos de extensão em interface com a pesquisa –, denominado “Trabalho e Saúde no Sistema Prisional: pesquisa-intervenção e extensão dialógica entre pesquisadoras e trabalhadoras organizadas”. Entre as diversas ações previstas no macroprojeto, para esta frente específica, o objetivo da proposta é analisar, partindo do diálogo com trabalhadoras/es sindicalizadas/os do corpo técnico de instituições penais mineiras, a atual configuração e as demandas de alteração em suas carreiras profissionais. Nesta proposta, compreendemos “carreira” a partir de uma perspectiva ampla, abrangendo as responsabilidades, desafios, projeções de crescimento e desenvolvimento, estrutura legal e impactos das condições de trabalho sobre a trajetória laboral dos trabalhadores envolvidos. O método utilizado será a pesquisa documental e a observação participante (BRANDÃO, 2001), com formação de grupos de trabalho (LAURELL, NORIEGA, 1989), composto por pesquisadores, trabalhadores sindicalizados e gestores sindicais, visando a produção compartilhada do conhecimento e a construção coletiva de práticas de intervenção. Almeja-se, como parte dos resultados da intervenção-pesquisa: cientificamente, produzir material teórico sobre carreiras de profissionais do corpo técnico de instituições penais; profissionalmente, oferecer subsídios para tomadas de decisão na área de gestão de pessoas em prol dos trabalhadores; e, socialmente, fortalecer as ações de organização coletiva sindical na luta pela saúde.


Palavras-chave: Trabalho; Saúde; Sistema Prisional; Sindicato; Carreira.



INTRODUÇÃO


A prisão configura-se como o principal modelo de punição no capitalismo. Ancorada no racismo, a instituição prisional produz práticas punitivas que visam ampliar o aparato penal na nossa sociedade, como ferramenta para solução de conflitos sociais (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004; FLAUZINA, 2006; DAVIS, 2018). Sua atualidade no contexto brasileiro se traduz em uma realidade permeada por condições insalubres e degradantes: encarceramento em massa, superlotação, condições estruturais desumanas, acesso escasso à saúde e educação e tantas outras violações perpassam o cotidiano prisional.


Ademais, o cárcere se apresenta como fonte de adoecimento psíquico e mental para todos aqueles que nele se fazem presentes. Pessoas privadas de liberdade, trabalhadores da polícia penal e trabalhadores do corpo técnico (auxiliares, assistentes e analistas) são convocados de diferentes maneiras à lógica da brutalidade e da objetificação da vida. Nesse ambiente, as buscas pela reintegração e pela efetivação dos direitos humanos, desde o seu surgimento, são obstaculizadas devido à primazia da lógica punitivista e do controle dos marginalizados. Os trabalhadores do sistema prisional, imbricados nas contradições estruturantes desse sistema, vivem em permanente contradição e sofrimento sobre as normas legais e morais a que são convocados no trabalho. E, embora possamos ter um panorama dos trabalhadores, suas realidades podem revelar distâncias e diferenças no que se refere às condições e objetivos de suas atividades.


A assistência à pessoa privada de liberdade está garantida na Lei de Execução Penal (LEP) (BRASIL, 1984), a qual, no artigo 11 do capítulo II, diz que a assistência é dever do Estado. Esta compreende a assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. De tal modo, há várias categorias de trabalho no sistema prisional responsabilizadas por essas assistências, como as profissões de assistentes sociais, enfermeiros/as, técnicos/as de enfermagem, psicólogos/as, dentistas, auxiliares de saúde bucal, médicos/as, pedagogos/as, terapeutas ocupacionais etc. Essas ocupações se diferenciam dos policiais penais em suas atribuições – os quais, há pouco tempo, eram denominados agentes penitenciários.


Diante da insuficiência de profissionais, a garantia da assistência torna-se um desafio perante o imperativo da ordem e da segurança pública. O trabalho assistencial e técnico torna-se secundarizado frente ao poder de polícia que vêm se intensificando – a exemplo da Emenda Constitucional nº 104 de 04 de dezembro de 2022, que criou a Polícia Penal, órgão responsável pela segurança do sistema prisional federal, estadual e do distrito federal (Agência Câmara de Notícias, 2022). As condições de trabalho do corpo técnico do sistema penal, já precárias, encontram-se envoltas a incertezas frente à política de segurança ostensiva e intensiva que tem se imiscuído nos últimos anos no sistema, agravando as possibilidades de adoecimento.

Este fato impulsionou a formação, em 2016, do Sindicato dos Auxiliares, Assistentes e Analistas do Sistema Prisional de Minas Gerais (SINDASEP), conforme relatado pelos gestores sindicais em visita técnica realizada, para fins de aproximação entre instituição de ensino e sindicato. No estado de Minas Gerais, são cerca de 3 mil trabalhadores que atuam em atividades técnicas do sistema penal. Destes, cerca de 80% são mulheres, que, por um lado, atuam junto às pessoas privadas de liberdade (em sua maioria homens), com a responsabilidade de operacionalizar o prescrito pelas leis de execução penal, e, por outro, atuam lado a lado com a polícia penal (também majoritariamente masculina). Atualmente, há mais de 400 servidores mobilizados para a construção deste órgão representativo da categoria.


As diferentes profissões que compõem o corpo técnico do sistema prisional demonstram a heterogeneidade de trabalhadores submetidos às condições do cárcere: são enfermeiros/as, assistentes sociais, administradores/as, contadores/as, terapeutas ocupacionais, psicólogos/as, auxiliares de enfermagem, dentre outras. Estes/as trabalhadores/as vêm se organizando para conhecer melhor suas realidades para nelas poderem intervir, de forma a criar condições de trabalhos menos adoecedoras.


São identificadas poucas pesquisas sobre as contradições e condições de trabalho do corpo técnico das instituições prisionais. A aproximação entre instituição de ensino e profissionais que estão construindo o Sindicato possibilita qualificar a apreensão sobre este problema com os próprios trabalhadores e trabalhadoras, de modo que se possa com eles fomentar ações extensionistas em respostas às suas questões de trabalho e saúde, além de se produzir materiais teórico-analíticos sobre a realidade apurada.


Portanto, este projeto tem como objetivo analisar, partindo do diálogo com trabalhadoras/es sindicalizadas/os do corpo técnico de instituições penais mineiras, a atual configuração e as demandas de alteração em suas carreiras profissionais. Esta investigação se torna relevante para a articulação entre as ações de ensino, pesquisa e extensão comprometidas com a saúde do trabalhador e com as melhorias de suas condições de vida e estruturas organizacionais de trabalho. Nesse sentido, esta pesquisa reforça o compromisso ético e político da ciência engajada com o desenvolvimento humano, em suas dimensões sócio-laborais.


METODOLOGIA:


Quanto aos preceitos éticos, e em conformidade com as Resoluções 466/12 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2012, 2016), assumiremos junto aos participantes da pesquisa: a apresentação dos pesquisadores do projeto; a descrição clara dos objetivos da pesquisa e das técnicas utilizadas para a pesquisa; a consulta prévia aos participantes sobre a autorização de análise dos registros escritos e gravação em áudio das entrevistas discussões de grupo; a garantia do sentido voluntário e da possibilidade de desistência na participação na pesquisa; a garantia do anonimato dos participantes envolvidos e da confidencialidade das respostas; a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para seu consentimento e participação na pesquisa, entre outras orientações ético-formais.


A partir da ideia de humildade epistêmica e do pressuposto de horizontalidade entre os saberes acadêmicos e saberes da experiência, este projeto guia-se pela pesquisa-intervenção no diálogo entre duas perspectivas: as contribuições do Movimento Operário Italiano - MOI - (Oddone, et. al. 1986) e a Pesquisa Participante (Brandão, 2001). As formas de intervenção, oriundas das atividades de pesquisa, versam sob o caráter interdisciplinar e convocam os profissionais do sistema penal organizados e pesquisadores para a composição de alianças técnicas com os trabalhadores que sustentem a ação coletiva sobre as realidades concretas de trabalho. A abordagem do estudo é predominantemente qualitativa.


Após aprovação do Comitê de Ética, é proposto, como instrumento de coleta e análise de dados, a pesquisa documental e a pesquisa participante (LAURELL et al., 1992; NORIEGA; VILLEGAS, 1993) com trabalhadoras e trabalhadores do sistema prisional organizados no Sindicato dos Trabalhadores Técnicos do Sistema Prisional e Socioeducativo. Por meio dessas ferramentas, propõe-se a construção conjunta do conhecimento e a mobilização organizada em torno das condições prejudiciais ao trabalho e à saúde, ou seja, a centralidade da experiência de trabalho e dos trabalhadores confrontada com os saberes acadêmicos é capaz de produzir transformações reais no cenário laboral. Todas as atividades de pesquisa-intervenção e extensão serão construídas pelo Grupo de Encontro.


Assim, propõe-se encontros periódicos que perpassam temáticas gerais sobre trabalho no sistema prisional em articulação com a saúde do trabalhador. Neste grupo, serão incluídos trabalhadoras e trabalhadores do setor e diretores sindicais envolvidos e interessados no tema do projeto, bem como pesquisadores. Em articulação às atividades de pesquisa, o projeto oferecerá espaços de acolhimento individual e coletivo aos trabalhadores e trabalhadoras técnicos, auxiliares e analistas do sistema prisional de Minas Gerais.


A partir destes encontros, serão estruturados relatórios de pesquisa sobre a atual configuração e as demandas de alteração na carreira dos profissionais de corpo técnico envolvidos. Em posse de tais relatórios, poderão ser produzidos artigos a serem submetidos em congressos acadêmicos e periódicos científicos.


RESULTADOS E DISCUSSÕES:


A pesquisa se encontra em seus estágios iniciais e, por conta disso, ainda não apresenta resultados que gerem consequência para a estrutura de carreira dos assistentes, auxiliares e analistas do sistema prisional. Contudo, há como proposta de resultados o fomento de conhecimentos teóricos e práticos necessários à melhoria da estrutura de carreira e saúde, sendo, nessa parte, proporcionado discussões, através do Grupo de Trabalho do macroprojeto, acerca do que qualifica o trabalho, o Estado e a carreira.


Dessa maneira, ao longo das discussões, eixos temáticos foram levantados após a identificação de diversas lacunas, como aspectos ligados à identidade profissional, relações de trabalho entre categorias profissionais (especialmente entre o corpo técnico e a polícia penal), práticas de violência de gênero, déficit de profissionais, precarização e desvalorização do trabalho, demandas de produtividade e relações hierárquicas nas instituições, interferências do judiciário no trabalho do corpo técnico, e a produção dos sujeitos trabalhadores do sistema prisional e seu adoecimento.


Em vista disso, identifica-se o corpo de trabalho do sistema prisional como um produto da própria sociedade e, por isso, tais lacunas são o reflexo de uma sociedade precarizada e marginalizada. Sendo assim, é necessário a estruturação dos diversos eixos temáticos para uma melhor compreensão e apresentação de resultados.


Por conseguinte, espera-se que o esforço coletivo na produção do conhecimento propicie a melhora das experiências de carreira dos profissionais do corpo técnico do sistema prisional, tanto pelas próprias instituições quanto pelo sindicato da categoria. Complementarmente, a pesquisa tem como proposta de resultado proporcionar uma base para futuras investigações e promover o fortalecimento do coletivo sindical na luta pela saúde e melhoria de carreira.






CONCLUSÕES:

A partir do resultados esperados, como a fomentação de conhecimentos teóricos e práticos e a melhoria das experiência de carreira dos profissionais supracitados, conclui-se que, através da luta pela melhoria das condições de carreira e saúde dentro do sistema prisional, outras frentes de discussões que perpassam o sistema prisional serão beneficiadas. Dessa forma, esperamos também que a influência política da faculdade possa gerar impactos nos resultados já esperados, pois, como exposto por Gomes, 2014, as universidades são fontes de pesquisas que possuem maior geração de saber e, que tais saberes produzidos tem capacidade de gerar produtos de necessidade social. Dessa maneira, espera-se que a fonte de pesquisa do projeto em questão possa gerar resultados não só dentro do sistema carcerário, mas também dentro do sistema social.


Logo, como exemplo, poderia haver avanços na ressocialização dos presidiários, pois, o corpo técnico que atua no sistema prisional contribuem diretamente para esta questão e, o seu enfraquecimento gera dificuldades para alcançar tal cenário. Nesse sentido, segundo os dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) de junho de 2021, do total encarcerado no país, 31% estavam envolvidos em atividades educacionais e apenas 14% estavam trabalhando, exibindo a dificuldade do sistema prisional em propiciar aos privados de liberdade condições para sua ressocialização e, que com o fortalecimento do corpo técnico do sistema penitenciário, tal apontamento poderia ter melhores perspectivas. Sendo assim, afirma-se que uma das conclusões é que o projeto de pesquisa pode influenciar na redução de não só uma lacuna social mas de muitas outras que afetam diretamente a estrutura da sociedade como a violência, preconceito, marginalização, drogas, prostituição e outras.




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